A noiva de Junho


    Dona Clara tinha 82 anos e um sonho guardado em uma caixa de sapatos no alto do armário. Entre os tecidos florais e rendas desbotadas, estava o pedaço mais precioso de sua memória: o vestido de noiva que nunca usara.

    Aos 20 anos, o amor bateu à sua porta na forma de Miguel, um rapaz de sorriso fácil e mãos calejadas pelo trabalho no campo. Fizeram planos de casamento para junho, quando os ipês florescem e a igreja se enche de enfeites naturais. Mas a vida tem seus próprios caprichos. Miguel partiu para a cidade grande em busca de oportunidades, prometendo voltar antes da cerimônia. Nunca voltou!!!

    Clara seguiu em frente, como tantas mulheres de sua geração, dividida entre o cuidado com os irmãos e o sustento da casa. Os anos passaram como um trem em alta velocidade, deixando marcas no rosto e memórias no coração, mas o sonho de se casar nunca perdeu seu brilho.

    Agora, sentada em sua varanda, Clara olhava o céu tingido de laranja pelo pôr do sol e ouvia as crianças da vizinhança brincando. Foi então que ela tomou uma decisão: era hora de realizar seu sonho. Se o noivo não veio, ela mesma se casaria com sua vida.

    No domingo seguinte, Clara chegou à igreja com o vestido ajustado ao corpo envelhecido. O véu delicado escondia seus cabelos brancos e sua pele enrugada, mas revelava seus olhos brilhantes e uma serenidade que só quem viveu muito poderia exibir.

    No altar, sem padre ou testemunhas, ela fez seus votos silenciosos. Agradeceu pelos amores que teve, pelas amizades que cultivou e até pelas decepções que a fizeram crescer. Prometeu honrar sua história e amar a si mesma até o último suspiro.

    A notícia do "casamento da Dona Clara" espalhou-se pela cidade como o perfume do café fresco. No dia seguinte, a vizinhança inteira apareceu com flores e bolo, transformando a cerimônia silenciosa em uma festa improvisada. E ali, entre risos e músicas, Clara dançou como nunca antes.

    A caixa de sapatos, agora vazia, ganhou um lugar especial na sala. Era um lembrete de que nunca é tarde para realizar sonhos, mesmo que de uma maneira inesperada.

Por Jôh Vieira

*Todos os direitos autorais reservados à autora.

**Imagem criada por IA.

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