Crônica: A sabedoria que nasce do tempo

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    No meio de uma tarde abafada, a terra ressecada parecia clamar por água. O céu, em sua inquietação, ameaçava, mas não cumpria. As nuvens passavam rápido, deixando apenas promessas de chuva que nunca chegavam. Enquanto a cidade fervia, na sombra de uma mangueira centenária, dona Aurora, uma anciã de cabelos prateados e pele marcada pelo sol e pelo tempo, observava o cenário com uma serenidade que só os anos trazem.

    Ela, como muitas outras pessoas idosas de sua geração, carregava uma sabedoria quase extinta, forjada nas mãos calejadas que aprenderam a ler os sinais da natureza. Sabia quando a chuva viria pela dança das formigas, quando a seca se prolongaria pelo formato das nuvens, e quando o vento mudaria de direção pela simples sensação no ar. Para ela, o clima não era um inimigo imprevisível, mas um velho conhecido, com quem sempre soube negociar.

    Diante da crise climática que assola o mundo, marcada por enchentes, secas intensas e incêndios devastadores, parecia que a humanidade havia perdido a capacidade de ouvir a Terra, de sentir o vento e de respeitar os ciclos naturais. Mas Aurora não. Ela observava, em seu silêncio ancestral, o desequilíbrio crescente com um olhar de quem já havia vivido muitas tempestades, mas também muitos recomeços.

    — O que acha disso tudo, dona Aurora? — perguntei, depois de um tempo de hesitação. A pergunta escapou quase num suspiro, fruto da minha angústia com as manchetes alarmantes e a sensação de impotência.

    Ela sorriu, aquele sorriso que começava nos olhos antes de tocar os lábios. Ajustou o lenço colorido sobre os ombros e olhou para o céu.

    — As coisas não são como eram, isso é certo — disse, com a voz tranquila. — Mas a Terra tem seu jeito de ensinar, mesmo que a gente insista em não aprender. Já vi esse mundo mudar muitas vezes, e sempre soube que, quando não respeitamos o ritmo das coisas, elas acabam por nos ensinar da maneira mais dura.

    Lembrei de histórias que minha avó contava sobre as secas de antigamente, sobre como as pessoas se reuniam para compartilhar a pouca água que havia, como plantavam e colhiam de acordo com as fases da lua, e de como as crianças cresciam aprendendo a valorizar cada gota, cada pedaço de solo fértil.

    Mas agora, na pressa das cidades e na ânsia pelo progresso, parecíamos ter esquecido essa relação profunda com a natureza. O que antes era um ciclo, um fluxo natural de vida e morte, regeneração e colheita, se transformou em uma luta constante, uma guerra pelo controle do clima. Mas, como Aurora bem sabia, ninguém controla o que é vivo.

    — O que faremos, então? — perguntei, sem esperar uma resposta concreta.

    Ela levantou o olhar, serena.

    — Ouvir. É o que falta. Não só ouvir os mais velhos, mas ouvir o que a Terra tem a dizer. Ela sempre fala, a gente que se perdeu no barulho. Enquanto insistirmos em falar mais do que ouvimos, vamos sofrer. Mas se aprendermos a escutar de novo, como os antigos faziam, quem sabe podemos encontrar um jeito de conviver com tudo isso.

    O vento soprou, leve, como se corroborasse suas palavras. Ao longe, o céu já não parecia tão sombrio. Talvez houvesse esperança, pensei. Talvez houvesse tempo, se soubéssemos aprender com quem sempre esteve ali, com os que viram o mundo girar e entendem, de maneira profunda, que a sabedoria não vem da pressa, mas do tempo e da escuta.

    Dona Aurora voltou a olhar para o horizonte, seus olhos antigos refletindo uma paz que parecia inalcançável para mim. Mas, naquele momento, eu percebi que talvez fosse essa a verdadeira chave: a sabedoria ancestral das pessoas idosas, como ela, nos mostrava que, diante da crise climática e de tantas outras crises, o caminho não era novo, mas antigo. Era o caminho da paciência, do respeito e da reconexão com o que é essencial.

    O primeiro trovão ressoou ao longe, e eu sorri, agradecendo em silêncio àquela anciã e à sua sabedoria que, como a terra, ainda tinha muito a nos ensinar.


Por Jôh Vieira

*Todos os direitos autorais reservados à autora.

Comentários

  1. Parabéns pela reflexão.

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  2. Que reflexão maravilhosa. Parabéns, querida.

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  3. Parabéns pela crônica. Como é bom falar dos nossos idosos.

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  4. Olá. Amei sua crônica, ela me fez lembra da minha avó. Parabéns.

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