Senhora? Está me chamando de velha?

   



    Estava eu em uma cafeteria, entre um gole e outro de um café maravilhoso, quando o garçom, com aquele ar polido, me chamou de “senhora”. De imediato, um frio percorreu minha espinha, e eu, que até então estava em um estado de relaxamento profundo, me vi interrompida por uma palavra tão simples, mas carregada de significados.

    “Senhora? Está me chamando de velha?”, pensei em dizer, mas permaneci quieta, como se aquele rótulo tivesse caído sobre mim de repente, sem que eu estivesse preparada. O garçom, sem perceber o turbilhão de pensamentos que despertara, seguiu seu trajeto com naturalidade, sem algum problema, apenas uma formalidade, um sinal de respeito, algo neutro. Mas para mim, naquele momento, pareceu um marco, uma transição para um território desconhecido.

    Lembro-me bem de quando o termo "senhora" era destinado à minha mãe, à minha avó, e como, de certa forma, eu associava essa palavra à sabedoria, à experiência acumulada pelo tempo, à velhice. No entanto, ouvir isso agora, dirigido a mim, trouxe uma sensação estranha. Desde quando fui promovida a “senhora”? Onde estavam as cerimônias, os discursos, o anúncio dessa passagem? Eu não me lembrava de ter assinado nenhum contrato que me transferisse para essa categoria.

    Olhei meu reflexo na janela da cafeteria, buscando sinais que justificassem o rótulo. Uma ruga aqui, um cabelo grisalho acolá. Seria isso? Mas eu me sentia tão viva, tão pulsante, tão jovem por dentro. E não era exatamente esse o paradoxo da vida? Essa dualidade entre o corpo que amadurece e o espírito que insiste em dançar como se ainda estivesse nos vinte?

    O que me perturbava, percebi, não era o termo em si, mas o peso cultural que ele carrega. Nossa sociedade, obcecada pelo novo, pelo fresco, fez da palavra “senhora” um sinônimo de algo ultrapassado. E eu, que sempre critiquei essa visão, me via agora capturada pela mesma armadilha.

    Senhora, para mim, é uma palavra de poder, uma palavra que carrega histórias, lutas, superações. É a palavra que define quem chegou até aqui, quem já viu o que muitos ainda têm medo de olhar. E, ainda assim, resistimos a ela. Porque, em algum ponto da nossa trajetória, nos disseram que ser “velha” é ruim. Que o tempo, ao invés de nos engrandecer, deveria nos encolher.

    O garçom voltou, trazendo a conta. Sorrindo, disse: “Aqui está, senhora”. Sorri de volta, dessa vez sem o incômodo de antes. Talvez fosse hora de abraçar essa “promoção” e redefinir o que significa ser chamada assim. Porque, no fundo, ser senhora é ser dona de si, do tempo que vivi e das histórias que ainda vou viver.

    E você, se incomoda em ser chamada de senhora?

E, afinal, quem disse que ser velha não é, de certa forma, ser eterna?
O termo "senhora" carrega consigo uma conotação que, para muitas mulheres, evoca preconceitos relacionados à idade e ao envelhecimento. Na sociedade atual, onde a cultura do novo é exaltada e frequentemente associada ao belo, ser chamada de "senhora" pode ser interpretado como uma forma de apagamento da juventude, remetendo a uma fase da vida que muitos ainda relutam em valorizar. Essa resistência está profundamente enraizada em uma sociedade que privilegia a estética jovem, tornando o envelhecimento um processo temido, ao invés de uma fase natural e igualmente bela da vida. 

A mídia e a indústria da beleza constantemente promovem a ideia de que a juventude é sinônimo de beleza, dinamismo e relevância, enquanto o envelhecimento é retratado como algo a ser combatido. Assim, o termo "senhora" acaba sendo interpretado por algumas mulheres como um símbolo de estagnação, ou até de invisibilidade. No entanto, é importante refletir que o problema não está no termo em si, mas nas lentes preconceituosas com as quais enxergamos o envelhecimento. 
    
Precisamos redescobrir a riqueza dessa fase da vida, associando o termo "senhora" à sabedoria, experiência e força. A cultura do novo, do belo, ao passo que valoriza a juventude, também cria uma narrativa limitante sobre o que é ser mulher em diferentes etapas da vida. O desafio está em ressignificar esses termos e, principalmente, as percepções que temos sobre o envelhecimento, valorizando cada fase como parte de um ciclo de vida pleno e digno de ser celebrado.

Por Jôh Vieira

*Todos os direitos autorais reservados à autora.

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