Envelhecimento esquecido
O som metálico das grades fechando ecoava pelo corredor estreito, marcando não apenas o espaço, mas também o tempo. João, com seus 73 anos, sentava-se no canto de sua cela, ajustando a bengala improvisada. Os anos haviam transformado suas mãos em mapas de rugas profundas, e seus olhos carregavam o peso de um passado que insistia em permanecer preso junto com ele.
Quando chegou ao sistema carcerário, João tinha pouco mais de 49 anos. Ainda vigoroso, acreditava que a prisão era apenas um intervalo doloroso em sua trajetória. Mas o tempo passou, impiedoso. No começo, ainda corria nas quadras do pátio, participava de conversas animadas e era temido pelo respeito que impunha. Agora, seu mundo se resumia a um colchão fino, um livro velho, conversas com a assistente social e a luta diária contra a indiferença.
O envelhecimento na prisão é como um rio que seca aos poucos. Não há espelhos para registrar o passar dos anos, mas cada dor no joelho, cada dificuldade para enxergar e cada esquecimento súbito são provas irrefutáveis de que o corpo cede à gravidade da vida. Na cela ao lado, Seu Raimundo, com 81 anos, repetia histórias do passado, como se temesse que o esquecimento o apagasse de vez.
Os mais jovens ignoravam João e os outros idosos, chamando-os de “os moribundos”. Era difícil para os novatos entenderem que, ali dentro, a velhice não era um privilégio, mas uma sentença à parte. As necessidades básicas, que lá fora já eram negligenciadas, aqui se tornavam ainda mais urgentes. Medicamentos eram escassos e as fisioterapias para melhorar as dores nas articulações eram promessas distantes.
João encontrava consolo nas poucas cartas da irmã, que nunca deixou de escrever. A última dizia: “Aqui fora o mundo mudou, mas eu ainda rezo por você todas as noites.” Ele segurava a folha amarelada com cuidado, como se ela fosse um pedaço de liberdade.
No fundo, João sabia que talvez jamais saísse dali. O que restava era lidar com o peso da própria história e com a ausência de um futuro. Enquanto ajustava o cobertor fino sobre os ombros, ele pensava no que realmente o prendia: o arrependimento, as memórias ou as grades?
Durante o silêncio da noite, ele ouvia o vento sussurrar através das brechas da cela. Era um som de liberdade que ele só podia imaginar. O tempo, ao contrário dos muros, jamais deixaria de passar, e João sabia que, cedo ou tarde, seria liberto – mas não pela porta da frente.
Por Jôh Vieira
*Todos os direitos autorais reservados à autora.
**Imagem criada por IA.
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